Alguns dias em Cork...
No início de Setembro, e por solicitação da minha cara-metade, promovi uma deslocação familiar à cidade de Cork, à boleia de um congresso internacional de ecologia marinha. Contando com a minha catraiada (3), e com os meus cunhados e sobrinhos que também se quiseram associar a esta expedição, formamos um grupo de nove pessoas, o que obrigou a algum esforço prévio de planeamento logísitico-financeiro. As reservas de viagem pela Ryanair, bem como a escolha de alojamento, feita através da Internet, permitiram até certo ponto alguma “contenção orçamental”. Embora não tivesse visitado a cidade portuária de Cobh, ela é recomendada pelo seu ambiente e pelos restaurantes e bares do seu porto. Foi o ponto de partida para milhões de emigrantes irlandeses que se dirigiram para o Novo Mundo e foi também aí que o malogrado Titanic fez a sua última escala antes do encontro com o icebergue...
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Cork, para quem não saiba, fica no sudoeste da Irlanda, sendo a segunda cidade mais populosa daquele país (120.000 habitantes) e uma das mais características, não tanto pelos seus monumentos mas principalmente pela sua história e pelo seu “espírito”. Chegamos ao aeroporto de Cork no início da manhã, provenientes de Londres, e tivemos a “agradável” surpresa de apanhar uma greve de táxis, o que nos levou a recorrer ao serviço de autocarros para nos levar até ao centro da cidade, viagem que demorou cerca de quinze minutos. O tempo, como é habitual por estas bandas, estava cinzento e a nossa primeira impressão não foi das melhores. Ficamos hospedados na Garnish House, estabelecimento de “bed & breakfast” altamente recomendável pela simpatia dos proprietários e pela “categoria” dos pequenos(???!)-almoços, situado na Western Road, artéria localizada próximo da Universidade local, e onde esta forma de alojamento se encontra quase porta sim porta não, embora com diversos cambiantes de qualidade.
Cork é mais ou menos do tamanho de Coimbra, sendo banhada pelo rio Lee, em cujo vale se espraia grande parte do aglomerado urbano, que inclui também algumas colinas na margem norte. A cidade de Cork foi fundada no século VII por S. Finbarr, tendo origem numa pequena comunidade monástica edificada sobre algumas ilhas fluviais. Mais tarde foi assediada pelos Vikings, conquistada pelos Normandos, e no século XIV perdeu um terço da sua população devido à peste negra. Posteriormente, durante a Reforma e Contra-Reforma, assistiu a lutas pelo poder espiritual e temporal, entre anglicanos e católicos, que se prolongaram até finais do século XVII. A partir de 1700, e correspondendo a um período de maior estabilidade política, vive um surto de desenvolvimento económico-social, de comércio florescente baseado no seu porto e na indústria têxtil (lã e linho), com aumento populacional assinalável. Data dessa altura a fundação da cervejaria Beamish, que ainda hoje continua a ser um dos principais empregadores da cidade. É também então que se procede ao assoreamento dos vários canais que separavam as ilhas em que assenta a cidade, transformados em ruas da zona central. Em 1798, tem lugar uma importante revolta contra o domínio inglês, duramente reprimida e cujas vítimas são homenageadas no chamado Monumento da Grand Parade. Durante o século XIX, a indústria têxtil de Cork entra em declínio acentuado devido à concorrência inglesa, assumindo relevo especial as actividades relacionadas com a produção de bebidas alcoólicas e com a produção de manteiga e mantendo-se o estatuto de principal porto da Irlanda. Entre 1844 e 1848 tem lugar a “Grande Fome”, em que, devido a uma sucessão de colheitas de batata desastrosas, e ao aparecimento concomitante de epidemias de cólera e tifo, milhões de irlandeses são afectados, muitos morrendo por desnutrição nas cidades e nos campos e dando origem a uma emigração em massa para os Estados Unidos, Canadá e Austrália. A situação apenas se recompõe na segunda metade desse século, sendo então criadas muitas das actuais infra-estruturas da cidade, como os caminhos de ferro, os serviços de água e electricidade, e também a sua Universidade. Em 1905, a cidade é palco de uma grande exposição internacional, tendo sofrido diversos melhoramentos. Durante a Guerra da Independência da Irlanda, Cork foi um dos principais centros dos conflitos, na sequência dos quais, e no mesmo ano de 1920, dois dos seus “Mayors” pereceram, um assassinado por apoiantes da união com o Reino Unido e outro em greve de fome após ter sido condenado a prisão por estar ligado ao IRA. Ainda nesse fatídico ano, e como revanche pelo apoio da cidade à causa independentista, o centro urbano foi incendiado pelos unionistas, tendo ardido a Câmara Municipal, a Biblioteca e vários edifícios comerciais em St. Patrick Street. Posteriormente, durante a Guerra Civil entre as forças do IRA e do novo estado irlandês, a cidade esteve sob o domínio rebelde, sendo libertada em Agosto de 1922. Apesar de sofrer novos surtos emigratórios, após a Segunda Guerra Mundial e nos anos 70 e 80 (quando muitas empresas não conseguiram competir no mercado alargado da então CEE), o fim do século XX assistiu a um novo surto de prosperidade e bem-estar social, ligados à instalação de indústrias da nova tecnologias, que permitiram que, em 2005, Cork fosse nomeada Capital Cultural da Europa.
Cork não é decididamente uma cidade monumental, sendo que a sua principal atracção arquitectónica é a Catedral de St. Finbarr, construída em meados do século XIX, em estilo neo-gótico, no preciso local da antiga comunidade monástica que lhe deu origem. A cidade é óptima para passear sem pressas, admirando as fachadas georgianas dos seus edifícios, com as suas portas coloridas; para beber uma cerveja num dos seus inúmeros pubs, todos com o seu balcão de madeira e uma autenticidade que não se encontra, por exemplo, no afamado Temple Bar de Dublin. Os habitantes são simpáticos e hospitaleiros, não se importando de dar informações aos turistas. A cidade possui muitos espaços verdes e não se vêem arranha-céus nem engarrafamentos. St. Patrick Street é a principal rua comercial, e nas suas transversais situam-se pubs e restaurantes para todos os gostos. Infelizmente, a gastronomia local não é muito apelativa, embora existam estabelecimentos de renome, como o Jacobs on the Mall (na South Mall Street), citado no Guia Michelin, que todavia não pude conhecer. O remédio é recorrer aos restaurantes argentinos, gregos ou italianos (aqui recomendo o Milano, na Oliver Plunkett Street). Não há restaurantes brasileiros, embora tenha encontrado uma troupe de capoeira exercitando-se ao som do berimbau. Curiosamente existe um restaurante português, com o inspirado nome de Arco-Irish (em Washington Street), mas o seu aspecto interior não era dos mais convidativos, pelo que não foi contemplado com a nossa visita. O que se perde em comida pode ser facilmente recuperado na bebida, sendo a cidade um paraíso para os amantes dos maltes fermentados. Pessoalmente, e porque uma viagem não pode ser apenas diversão, decidi proceder a uma aturada investigação sobre qual a melhor cerveja stout, tendo concluído, após experimentar a Murphy’s, a Beamish e a Kilkenny, que a Guinness é mesmo a melhor, com a sua espuma cremosa e o travo final a café.
Ainda em Cork, uma visita interessante é à prisão local (City Gaol), actualmente desactivada e onde, com recurso a estátuas em cera e equipamento áudio, se pode ter uma ideia vívida do que era o dia-a-dia numa cadeia irlandesa do século XIX (não era muito agradável…). Também merece uma deslocação o Museu da Manteiga (Butter Museum), onde nos podemos aperceber da importância que a indústria de lacticínios teve, e ainda tem, para Cork e para a Irlanda. A Universidade com o seu campus oitocentista em meio de cuidados jardins é outro ponto a ter em conta.
Fora da cidade, optámos por conhecer algumas das atracções recomendadas nos guias. Como levávamos crianças, começamos por uma visita ao Fota Wildpark, um safari parque facilmente acessível por comboio (tem a sua própria estação), onde os animais se passeiam em liberdade (ou semi-liberdade para alguns, como as cheetas, os bisontes, as zebras e as girafas). Aí foi possível confraternizar, entre outros, com simpáticos lémures e atilados lhamas. O pior foi quando quisemos regressar: acreditem ou não, os ferroviários tinham entrado em greve e tivemos que voltar de táxi!
Visitámos também a pequena e pitoresca cidade piscatória de Kinsale, a cerca de 15 km de Cork, com as suas pequenas ruelas cheias de fachadas coloridas de castiços pubs (recomendam-se o Mother Hubbard’s, o Jim Edwards e o White House). Ao largo de Kinsale teve lugar uma célebre batalha naval em que as forças do rei Jaime I, católico, apoiadas por uma frota espanhola forma derrotadas pelas forças anglicanas. Durante a II Guerra Mundial, foi também próximo das suas costas que foi afundado o navio Lusitânia.
O Castelo de Blarney fica a norte de Cork, em meio a esplêndidos jardins, com relvados intermináveis, um límpido riacho e árvores seculares, onde, num dia ensolarado, passámos uma agradável tarde. O Castelo em si é imponente com uma torre altíssima (pelo menos para mim que tenho vertigens), de onde se avistam quilómetros em redor. Uma lenda local diz que todo aquele que debruçado no alto da torre beijar uma determinada pedra das suas ameias (The Blarney Stone) será recompensado com o dom da eloquência, pelo que turistas anónimos e VIPs diversos, incluindo alguns presidentes americanos (embora não seguramente o George Bush filho) se sujeitam a estar, seguros pela pernas, debruçados a dezenas de metros de altura para beijar a pedra e alcançar essa benesse. Sabiamente decidi que já tinha eloquência que chegasse e prescindi desse ritual…
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