Sunday, March 18, 2007

United States of Forbes

Diz-se que os americanos reinventaram o capitalismo, essa coisa que domina o mundo desde a Revolução Industrial de há dois séculos atrás. Que poderia ser definido, assim a modos que, como um sistema tríptico, político, económico e social, onde o dinheiro determina o valor de todas as coisas. Ou, também, o que as pessoas da minha geração se habituaram a chamar Portugal. Como os yankees não são propriamente conhecidos por deixarem os seus créditos por mãos alheias, acabariam também por inventar, depois, a revista Forbes. Que é assim uma espécie de compêndio do materialismo dialéctico do Tio Sam e cujo único intuito editorial, como é sobejamente conhecido, é o de publicar listas. Não propriamente as que costumo levar comigo quando vou ao Minipreço, mas mais do género «As X Mais Qualquer Coisa» ou «Os Y Menos Qualquer Coisa». Tudo geralmente avaliado com a mesma métrica. A do money-money-money.

Há-as, as listas, para todos os gostos, que não para todos os bolsos. «As 100 Maiores Celebridades», com Tom Cruise à cabeça. «As melhores 200 Pequenas Companhias». «As 400 Melhores Maiores Companhias». «Os Maiores Conglomerados Empresariais», que sei ser liderado, who else?, pela Koch Industries. «Os Melhores Hotéis» e «Os Restaurantes Mais Caros», por sinal meras cópias das listas que o FVaz vem aqui publicando. «As Doenças Mais Caras», onde as do coração batem aos pontos os traumatismos e os cancros. «Os Mais Caros Fatos para Homem», com o Brioni, de 5 mil euros, à frente do Kiton por 165 euros e do Canali por uma confortável distância de 1.320 euros, a chamar pobretanas ao Armani, no 5º lugar e a dois mil euros de distância. «Os Mais Lucrativos Chefes Executivos de Empresas» onde, pese a táctica utilizada para se livrar da OPA, Henrique Granadeiro não entra. A necrógrafa «As mais lucrativas celebridades mortas». O guia turístico para solitárias e solitários «As Melhores Cidades para Solteiros». «As Melhores Business Schools», onde lidera a Dartmouth e onde a Universidade Independente, como a Moderna, nem em sonhos conseguiria ter médias para lá entrar. «As Mais Caras Ilhas Privadas», liderada pela Ilha da Ferradura, em Ibiza, à venda por 33 milhões de euros e onde se dá hipóteses de escolha, a quem estiver momentaneamente com falta de liquidez, de optar pela Ilha de Pakatoa, na Nova Zelândia ou pela mexicana Cerralvo, ambas mais em conta, com os seus 29 milhões. E onde, já agora, estranho que não conste a Madeira do Alberto João. «Os Estados Mais Caros Para Fazer Um Seguro Para A Casa», que o deserto do Texas domina, dando assim razão aos Apaches, que de lá fugiram há muito. Ou a d’«Os Mais Caros Códigos Postais», liderada pelo 11962, pertencente a Suffolk, Nova Iorque, que tem o preço médio de venda das habitações nos 3,6 milhões de euros. Bem acima dos do meu, o 4490.

Mas a mais famosa e sonante lista da Forbes é, sem sombra de dúvida, a dos homens mais ricos do mundo. A qual, já depois da guerra da queima dos soutiens, também passou a incluir mulheres, num sinal de que, como diria Al Gore, «qualquer crise cria potencialmente uma nova oportunidade». Uma verdade de guru cuja mensagem lhe rendeu, na última palestra em Portugal, uns bons 600 euros por cabeça. A última versão d'«Os Mais Ricos do Mundo», referente a 2006, é encabeçada por Bill Gates, com 56 mil milhões de dólares, posição que exerce, consecutivamente, há já 13 anos. Suspeita-se até que terá comprado este lugar para a eternidade. Na segunda posição, surge Warren Buffet, mais pobre em 4 mil milhões. Seguem-se-lhes, o mexicano Carlos Slim Helu, da Telmex, accionista da PT, com 49 milhões, o sueco Ingvar Kamprad, da IKEA, com 33 milhões e o magnata indiano dos aços Mittal, com 32 mil milhões de dólares. Abaixo destes, aparece uma longa série de indivíduos, todos habituados a dormir em cima de uma pipa de massa. Entre eles está o galego Amâncio Ortega, da Zara, que estreou os seus 24 mil milhões de dólares no 8º lugar. Certamente que à custa das roupas que durante anos lhe andei a comprar para vestir as minhas filhas. Mais abaixo da tabela, no 18º lugar, com 19 mil milhões de dólares, surge Roman Abramovich, o maior fornecedor de divisas do Estado português. Que para o ano, já se sabe, vai apanhar um grande tombo, pois quer pagar metade da actual fortuna à mulher para poder casar com uma miss teenager russa.

Do nosso campeonato, só temos um representante, que é Belmiro de Azevedo. Por sinal, surge num tristonho e quase indigente 407º lugar, com uns míseros 1,74 mil milhões de euros. Caiu 57 lugares face à listagem do ano passado, o que deverá ter sido doloroso para um homem com a idade dele. Mas, segundo os especialistas, só caiu porque os outros passaram por cima dele, porque, mesmo assim, o nosso engenheiro continuou em 2006 a somar, só que somou bem menos do que os outros somaram. Que é, como se sabe, a actividade preferida dos ricos. Somar. Contrariamente à dos pobres, que preferem subtrair, uma actividade reconhecidamente pecaminosa e que, por isso, muitas vezes, dá direito a cadeia. E também a morrer à fome.

Nesta lista de 2006 d'«Os Mais Ricos do Mundo» constam 946 multimilionários, de 53 nacionalidades diferentes, sendo 415 norte-americanos. Ou seja, 44% do total. Num sinal de que, pese o Iraque, continuam a ganhar todas as guerras onde se metem. Igualmente notável é a inclusão na lista de 36 novos multimilionários indianos, que já ultrapassaram os japoneses, e de 19 russos. Dos primeiros, não se conhecem as origens étnicas, ou castas, mas algo me diz que não serão párias. Dos segundos, nenhum é o Yvegueni Mouravich. Constam também desta lista, um total de 20 multimilionários chineses. O que não deixa de ser estranho, pois só na passada semana o comité central do Partido Comunista Chinês decidiu aprovar o direito à propriedade privada no país. Vai-se a ver, serão fortunas geradas por mera prestação de serviços. Tipo direitos de autor. Quiçá o boato de tráfico de orgãos na Zona Industrial da Varziela, em Vila do Conde. Outras curiosidades. O número de mulheres neste ranking da Forbes aumentou para 83, das 78 verificadas no ano anterior. Dado que 60% dos multimilionários listados são self-made, fica-se na dúvida sobre a forma como elas obtiveram a fortuna. Por exemplo, há uns machistas que gostariam de saber quantas Anne Nicole Smith constam da lista. No ranking dos mais novos, sobressai o príncipe Albert von Thurn und Taxis da Alemanha, que aos 23 anos tem cerca de 2 mil milhões de dólares. O que deixa no ar a dúvida sobre se terá sido o nobre ramo dos Táxis que lhe deu a fortuna. Mas o mais importante, para nós, portugueses, é a notícia de que, como manda a tradição, perdemos para a Espanha. 20 a 1. Para além do Ortega e de outros coños menos conhecidos, estão lá o Emílio Botin, do Santander, o Florentino Perez, ex-Real Madrid, e as irmãs Koplowitz, das capas da Hola!. Irremediavelmente perdido, então, com nuestros hermanos y hermanitas, mantemos o combate com a Grécia. O que também fará parte das tradições lusas. Continuamos a ser, ambos, os piores da velha Europa a quinze, aqui com um representante cada. Até chegamos a perder para a Venezuela, que tem dois, embora, curiosamente, nenhum seja membro da família Chavez. Suspeito, entretanto, é do score da Ucrânia, que conseguiu meter 7 representantes na lista. Estranho, mesmo, é que nenhum deles tenha domicílio em Portugal. Tal como estranho o score da Roménia, que também tem lá um bilionário, chamado Ion Tiriac. Para já, apenas têm um, mas desconfio que no futuro poderão ter mais. Basta ver o dinamismo com que agitam as vassouras limpa-vidros nos carros estacionados nos semáforos da Avenida da Boavista.

O que não deixa de ser notável na revista Forbes é a pretensão democrática. Designadamente ao pintar todos como iguais, porque todos são avaliados pela mesma bitola. O dolar. Como se poderá verificar no seu site, onde tudo gira à volta do dinheiro. Money. Money. Money. Money. Categoricamente. Como que a comprovar o que certos economistas apelidam de «efeito multiplicador do carcanhol». É que não há mesmo, ali, espaço para qualquer outro tipo de filosofia. A noção de vida da Forbes é a de que qualquer pretensão poética, ou outra mariquice do género, só será valorizada pela lupa da nota verde. Daí que, por exemplo, no site institucional, se possa ler que «O futuro é comprado no presente», desconfiando eu que, se for pago a pronto, até façam algum desconto. No que darão razão, no fundo, aos que afiançam que esta gente apenas estará neste ranking porque se habituaram a poupar mais dinheiro do que os demais. Como se comprova aliás pela existência de uma outra listagem, aparentemente bizarra num meio destes. «Os aviões a jacto mais baratos do mundo». Por sinal, o meio de transporte habitual do nosso conhecido Tio Patinhas.
A inegável prova desta democraticidade da Forbes está no facto de reconhecermos os seus eleitos. De termos acesso a alguns detalhes, ou pormenores, das suas vidas e de, por isso, os passarmos a considerar quase como vizinhos, cuja presença vagueia pelas nossas casas. O computador do Gates no escritório, onde escrevo isto. As fotos dos aviões do Buffett a transportarem o Figo, mais o seu harém sueco, às compras no Dubai. O xicano Slim Helu, a ajudar a dar cabo das bazas do nosso engenheiro-mor na OPA da PT. O viking Kamprad, que sabemos ter-se transportado pela Carris e pernoitado numa pensão da Baixa, quando veio a Lisboa negociar a abertura do IKEA. O Ortega da Zara, cujos saldos equipam os meus joggings na marginal. Até o Abramovic, que bem poderia ser o nosso ministro do Emprego. E é o facto de os conhecermos e de podermos controlar os seus movimentos, na tal lista, que nos deixam mais à vontade. Certamente que, para o ano, exigiremos que o Gates, o Buffett, o Helu, o Kamprad, o Ortega, o Abramovic e todos aqueles que conhecemos há muito, continuem nos lugares cimeiros da «Lista dos Mais Ricos». Até por fazerem, já, parte do nosso imaginário. Seria uma sensaboria que os deixássemos substituir, por exemplo, pelos Deripaska, Guangchang, Yongxing, Poonawalla, Gopalakrishnan, Aranburuzabala ou, até, pelo Sirivadhanabhakdi. Eu, por exemplo, creio que já não conseguiria despegar os primeiros do meu imaginário. Tal como a massa que todos esses bananas têm acumulado e da qual não conseguirão gozar convenientemente, nem que tivessem mais cem novas vidas, preferindo, antes, passar o tempo que lhes resta a arrastarem os pobres esqueletos e a trabalhar para o bronze do ranking da Forbes!!! (OK, OK, confesso que teria algumas dificuldades em fugir aos lugares cimeiros d'«Os Mais Invejosos do Mundo»).
Finalmente, tão selecta quão diferenciadora, como os próprios eleitos da Forbes, é a lista d’«Os melhores carros-de-corrida para bilionários». Onde se fica a saber, por exemplo, que o novo Rolls-Royce Phantom custa 535 mil euros e que, mesmo assim, haverá filas de espera de dois anos para o comprar. Numa demonstração de que até onde pode chegar a vulgaridade (ou democraticidade?) dos United States of Forbes: a de ver bilionários nas bichas de racionamento de popós. Também por isso, atentos, os donos da Rolls Royce organizaram um leilão entre os seus clientes, para quem quisesse ser o primeiro da fila. Vai daí ganhou um sujeito de 87 anos, que será, assim, o primeiro bilionário a ter honras de estreia do novo modelo. Quem sabe se o passeio inaugural não servirá, também, para o enterrar. Forbes bless him.