Friday, February 09, 2007

DVDteca - Grandes Mestres do Cinema (19)

"ORDET" (1956) de Carl Dreyer

Dreyer nasceu em 1889 em Copenhaga, filho de mãe solteira, uma criada de quarto sueca que morreu poucos anos depois num fatídico autoinduzido aborto. Antes sua mãe tinha dado para adopção particular o seu filho a um tipógrafo luterano, Carl Theodor Dreyer, tendo a criança tomado o nome do pai adoptivo. Estudante dotado, aos 17 anos começa a escrever críticas teatrais e torna-se jornalista.

Em 1912 escreve o seu primeiro argumento e em 1919 realiza o seu primeiro filme, “O Presidente”, melodrama que aborda a responsabilidade moral de um pai biológico, um respeitado juiz, que vê trazida a tribunal a sua já adulta filha ilegítima acusada pelo homícidio do seu bebé recém nascido. Nest filme claramente inspirado na sua história pessoal Dreyer usou actores amadores escolhidos pelo fácies adequado ao perfil psicológico dos personagens.

Inspirado em DW Grifith (“The Birth of a Nation” e Intolerance “) em 1921 embarca na grande produção “Blade af Satan Bod”( Folhas do Livro de Satanás), filmando crónicas das destrutivas comsequências da tentação em quatro episódios históricos: a Crucificação de Cristo, a Inquisição, a Revolução Francesa e a guerra Russo-Finlandesa. Em 1924 realiza “Mikael”, triângulo amoroso gay em que um eminente pintor perde a inspiração depois do seu protégé se apaixonar por uma mulher.

Em 1927 a sua primeira obra prima “A Paixão de Joana d’Arc”. A obsessão do realizador pelo detalhe e realismo leva-o a usar trancrições do julgamento como base para o seu argumento.Com ele Dreyer ganha um estatuto de realizador cerebral de cinema de temas religiosos. O sentimento humanista de Dreyer traduz a a intangivel piedade de Joan a santa para a linguagem da compaixão pela dor e sofrimento de Joan a humana, atingindo a relação simbiótica entre a metafísica e o real que Dreyer definiu como “misticismo realizado”. Seguiram-se “Vampiro” em 1932, inspirado elos movimentos surrealistas e a obra prima “Dias Irae” (1943), alegoria anti-nazi, história de uma caça às bruxas numa aldeia do século XVII, pretexto para abordar a repressão, a hipocrisia e o fanatismo religioso, numa realização que transporta para o grande écran a iluminação e os enquadramentos dos óleos de Rembrandt.

Mas o filme mais marcante de Dreyer é “Ordet” (“A Palavra”) de 1956. Numa quinta o patriarca Morten Borgen, homem religioso e crente, tem três filho. O mais velho, Mikkel, um homem decente e moralista mas agnóstico, casado com Inger, a doce esposa que ilumina a casa. O mais novo, Anders, que se apaixona por Anne, filha de um alfaiate, Peter, um fundamentalista religioso.

E Johannes, que se passeia pelos campos pregando ao vento julgando-se Jesus Cristo.

Morten mortifica-se pela loucura de Johannes porque fora ele que incitara o filho a embrenhar-se nos estudos religiosos, numa tentativa de restaurar a fé dos aldeões em Deus.

Morten visita Peter a pedido de Inger para dele obter aprovação para o namoro dos filhos, mas a visita de cortesia transforma-se em guerra de palavras sobre diferentes perspectivas da Fé.


Á saída Morten é avisado que Inger entrara em trabalho de parto, que se adivinha complicado. Peter declara o seu desejo cruel de que uma tragédia faça Morten aceitar os seus pontos de vista.

A tragédia ocorre e Inger morre.

Usando longos planos e composições precisas e despojadas, Dreyer questiona a complexa natureza da Fé. A cena final tem uma força que a torna uma das mais marcantes da história do cinema. Nas suas divagações Johannes questiona o cepticismo e a incapacidade de aceitar milagres no mundo moderno. A crueldade de Peter traduz a intolerância que coloca uma anancástica e austera moral religiosa acima da compaixão e decência. Apesar da sua bondade e sinceridade a falta de Fé de Mikkel impede-o de implorar a Deus. A Fé de Morten também se mostra imperfeita ao não aceitar a visão de Johannes.


Mas afinal, a Palavra de Johannes redime a familia da sua dor esmagadora e desafiando a lógica narrativa, a ressurrreição de Inger, extraordinária afirmação do amor acima das limitações humanas, levanta-se e beija o seu marido.

Dreyer usa com maestria o seu jogo de luz e sombras que evoca dois mundos que se enfrentam. A Luz representanda em Inger , o seu fulgor, bondade e sexualidade que transcendem a mortalidade sobrepõe-se à Sombra, a falta de fé dos Morgens. Ilustração da necessidade de equilibrio e reconciliação entre corpo e alma, sensual e espiritual.

E no final o triunfo da Palavra.. E o que é a Palavra? Em silêncio e introspecção cada um encontrará a sua resposta.

Filme fundamental em qualquer DVDteca. Para ser visto em dias em que Sim e Não se radicalizam. Para lembrar que Talvez.

DVD: “Ordet” ( “A Palavra) na FNAC €24.40


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