Wednesday, February 06, 2008

Table du Monde (21) Paul Bocuse


Paul Bocuse é o decano dos chefs franceses. E um dos pais da nouvelle cuisine, tendo sido designado pela Gault Millau cozinheiro do século XX em 1989. Ele mesmo dá nome a um dos mais prestigiados prémios, o Bocuse D'Or. É em Collonges, junto a Lyon que Bocuse mantém o seu "Auberge", três estrelas Michelin desde 1965.

Em Setembro, numa incursão por Lyon, tive oportunidade de visitar o seu restaurante. Paul Bocuse é hoje um octogenário mas faz questão de receber pessoalmente os seus convidados à porta do restaurante. A sala, num registo entre o kitsch e a opulência, é simpática e o serviço é inexcedível.

Nas entradas é obrigatório provar a "Soupe aux truffes noires V.G.E. ", prato criado para o Palácio do Eliseu em 1975, daí as iniciais do Presidente francês de então. Fonte de inspiração de muitas outras, nomeadamente do "nosso" Henrique Leis, também ele discípulo de Bocuse, a Soupe é de estalo, uma bomba, em prazer, sabores e calorias.

O "Escalope de foie gras de canard poêlée au verjus, pomme gaufrette" é uma sublime harmonia entre um foie gras deliciosamente voluptuoso e a acidez do verjus, sumo de uvas verdes.

Deixa a léguas a "Dodine de canard à l’ancienne pistachée et foie gras de canard maison", trio interessante mas não deslumbrante.

Outra entrada espantosa foi a "Salade de homard du Maine à la parisienne" que mais não era a dita lagosta, perfeita, tão fresca que nem parecia vir do longinquo Maine, em sua cama de verduras, imperial na apresentação, coroada na boca pela excelência do seu sabor.

No prato principal prossegui a minha incursão pelo "Ris de Veau", o timo da vitela, prato muito pouco visto em Portugal, mas de moda na alta cozinha. Estava excelente o "Ris de Veau", portentoso, acompanhado de lagostins, chanterelle e ervilhas mas, apesar de tudo, aquém do provado na véspera.

As senhoras apostaram nas aves. "Pigeon en feuilleté au chou nouveau", o pombo apresentado em três variações. O peito rosado, suculento e macio, em molho de morille, a perna em folhado com espinafres e o fígado do pombo numa mini tosta, espantosa fusão de paladares imperdiveis. Já a "Volaille de Bresse", uma especialidade da região, desiludiu já que era uma mera galinha cozida, por melhor que fosse o galináceo e o tempero, sempre evocava memórias de infância com termómetros,caldos e xaropes.

Já o amigo Joaquim estava indeciso. E é nesses momentos que se vêem os grandes restaurantes. Disse ao maître que o Joaquim estava desconsolado porque, amante de pato, não encontrara nenhuma variante do marreco na carta. Logo ele tirou um pato do cardápio. Que nos preparava um pato bravo, de caça. Há horas felizes.
O Joaquim teve uma delas pois não foi em vão que o pato saiu da cartola de Merlin, não o mago, mas o maître. Desde logo pela arte de bem trinchar que pudemos apreciar. E porque o pato estava de estalo, mais a laranja e umas fabulosas e creativas batatinhas.

Chegados à sobremesa, e não existindo capacidade e resistência para a tábua de queijos, provaram-se o clássico "Gâteau Président Maurice Bernachon", perfeito para apreciadores de chocolate, e uns digestivos "Fruits Rouges Saison".

Tal refeição só podia ser acompanhada por um grande vinho. Depois de na véspera termos degustado o Forts de Latour 2000, continuamos por Pauillac, e fomos no Chateau Baron Pichon de Longueville 2000, outro Cabernet Merlot soberbo, ao mesmo tempo elegante e pujante, com aromas de especiarias e muita tosta, na boca um grande vinho, rico e amplo, taninos bem equilibrados, e um final muito, muito longo marcado pela fruta madura.

Apesar do ar de museu, o Paul Bocuse é um grande restaurante, seguramente um dos melhores que visitei, apesar de ofuscado por na véspera ter visitado o Georges Blanc, esse sim, o melhor dos melhores. Mas terra que tem estes dois restaurantes ( e tem mais, muitos mais) vale que a gente se meta num avião. E agora até a EasyJet voa para Genéve, que é mesmo ali ao lado. Por mim volta lá em Junho, no intervalo entre turcos e checos.

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Wednesday, September 19, 2007

TABLES DU MONDE (21) Georges Blanc

Em Vonnas, a 80 km de Lyon fica o Georges Blanc. Casa de grande tradição fundada em 1872 pela família Blanc. Com Georges ao comando desde 1968, mantém a 3ª estrela Michelin desde 1981, ano em que a Gault Millau o distinguiu com a nota de 19,5, inédita até então.

O enquadramento é paradísiaco, e o complexo de restaurantes e o hotel dominam a Place du Marché. Recomenda-se marcar o hotel para pernoitar após a refeição.
Chegados ainda antes do anoitecer, e como o Joaquim diz que jantar só depois do sol posto, optamos pela esplanada onde nos foi servido um Chablis a acompanhar como amuse bouche uma espetadinha de coxa de rã, um salmão fumada e um creme de foie gras e espargos que estava de perdição e deu o tom para o que a seguir viria.

Para acompanhar uma refeição de excelência convocou-se um Bordeaux Pauillac, o Forts de la Tour 2000, um Cabernet Merlot de grande complexidade delfim do mítico Chateau Latour.

Nas entradas provaram-se a Terrina de Foie Gras de Poularde de Bresse (galinha criada em liberdade, na região de Bresse, e servida como atracção em todos os grandes restaurantes de Lyon) com toranja e compota de figo e beterraba, perfeita ligação de sabores, com a doçura do figo e a acidez da toranja conjugados com a gordura do foie gras.

O Foie Gras de Pato em especiarias, com asas confitadas e molho de caviar e duas pimentas, provocou sensações sublimes quando esmagado no palato, delicado mas pujante, um portento.

Seguiu-se um "Filete de Peixe Galo com Courgette e Favinhas e Sucos marinhos", que agradou sem deslumbrar, um "Carré de Borrego marinado e depois assado, versão estival 2007", à point, textura e cozedura perfeitas, suculento, desfazendo-se na boca, entusiasmando as papilas dos comensais
e um "Duo de Ris de Veau,um braseado e outro meuniére, com trufas, legumes do mercado e molho de nozes", que nos levou ao céu. O Ris de Veau não é mais que a glândula do timo, improvável pitéu, hoje na moda entre os grandes chefs. Já o prováramos no Spondi, de Atenas, e agora no Georges Blanc e no Paul Bocuse. Prato de sabores fortes, irresistível, melhor o meuniére, com o suco das nozes a conferir ao prato uma riqueza de paladares inigualável. Prato a valer a viagem a Lyon. Do melhor que já comi.

Depois destas iguarias estávamos já postos em consolo, quando chega uma fabulosa tábua de queijos, que faria as delícias de uns amigos que eu cá sei. Por cerimónia, provaram-se uns queijos de cabra magníficos, e que ajudaram a exaltar a pujança do Latour.

Antes da chegada das sobremesas convocadas, colocaram-nos na mesa um trio de pré-desserts, em que se destacava uma genial mousse de moscarpone com sumo de maracujá.

A que se seguiram acompanhadas dum Ruster Beerenausleese 95, um voluptuoso Fondant de Chocolate, ums deliciosos mas redundantes canneloni de moscarpone e uns originais crepes da Mère Blanc, de chorar por mais.

Café e mignardises, com uns suspiros divinos, e a refeição não termina sem a visita do Georges, lui-même, que autografa os menus e dá dois dedos de prosa com os clientes.

Refeição sublime, este Georges Blanc em boa hora nos foi recomendado. É seguramente um dos melhores restaurantes do mundo, local de peregrinação obrigatória de todos os gourmets. E vale a deslocação, mesmo a quem venha de Genéve ou Lyon.

Georges Blanc
Place du Marché
01540 Vonnas
Tel.: : + 33 (0)4 74 50 90 90

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Monday, September 17, 2007

Lobos do mar, Nobre Jogo

A melhor equipa do mundo defrontava a equipa amadora. Antevia-se bonita, a festa. Por isso lá marquei presença.

O hino cantado com alma. A Haka, poderosa e assutadora. Num jogo em que não há anti-jogo, onde não se pára para assistir os lesionados. Os All Blacks eram mais fortes e mais rápiods. Saltavam mais alto.Comandados por Rockocoko e um imperial Jack Collins, fizeram 16 os ensaios. Mas os portugueses fizeram 81 placagens. O Dioga Mateus sozinho fez mais de 30. Festejadas como uma vitória. Conseguiram uns inimagináveis 44% de bola no meio campo neozelandês. Gonçalo Malheiro fez o primeiro drop do Mundial. O 1,69m do Pedro leal não o impediram que derrubar alguns dos gigantes da Nova Zelândia. Até o Aguilar, que alguns dizem ser como o Nené que nunca sujava os calções acabou suturado com 8 pontos. E o ensaio de Rui Cordeiro ( com pele de Lobo) foi uma demonstração da vontade e da coragem do pack lusitano. O Vasco Uva e o Marcelo D'Orey sairam lesionados. Mas deram tudo o que tinham. Marcar treze pontos aos All Blacks não é para todos. Que o diga a França, maior potência europeia, que no último embate perdeu 63-10.

No final de um jogo classificado histórico pelo Presidentes da IRB, o público aplaudiu de pé ambas as equipas. Que acabaram a conviver no balneário luso, com umas Sagres, depois de um jogo de futebol, ganho pelos portugueses por 3-1. A imprensa internacional (L'Equipe, La Gazzeta Delo Sport) deu ao jogo honras de 1ª página. E enalteceu a coragem dos portugueses. Por cá a imprensa desportiva optou pela nota de rodapé, e só o Público se salvou.

Seguem-se a Itália e a Roménia. E a vontade de fazer sempre melhor. Só volto ao Mundial para ver as mais finais, em Paris. Mas valeu a pena ir a Lyon.

Thursday, August 16, 2007

Em busca dos posts perdidos

Quando me ligaram para saber da minha disponibilidade para uma reunião em Londres, logo me lembrei do «Prazeres do Diabo» e da possibilidade de poder melhorar enfim a minha fraquíssima prestação no blogue, até aqui praticamente reduzida à leitura atenta e fisicamente curvada das postas do FVaz, o que historicamente me tem provocado fortes dores nos cotovelos. De todo o modo, considero que a minha fraca performance, que o amor-próprio e o pudor me obrigam a jurar que nada tem a ver com uma eventual falta de prazeres reportáveis, será mais por culpa do próprio anfitrião, que tem elevado a hebdomadária fasquia para podiuns pouco consentâneos com o olimpismo em que venho vivendo. Aliás, já por diversas vezes tive a tentação de fechar postas sobre o que julgava prazeres, se não do diabo pelo menos de um seu esforçado discípulo, mas logo as reduziria a tirinhas ante a leitura das façanhas do incorrigível nómada FVaz e mais as suas invejadas fotos e descrições sobre viagens, hotéis, praias, culinárias, etc., contra as quais pouco ou nenhum interesse teriam decerto as minhas próprias descrições, por exemplo, dos cardápios servidos pela Wagon Lit durante as recentes investidas que fiz a Lisboa no Alfa Pendular.

Daí que a minha resposta aquela chamada vinda de Londres não poderia deixar de ser um «Yes, of course!», até porque as viagens e o hotel seriam pagas. Então, embora sem qualquer ilusão de me aproximar do diabólico estatuto do anfitrião deste blogue, nem que tivesse mais cinco vidas, preparei-me para que o relato desta minha visita a Londres pudesse ser um up-the-bottom capaz de atenuar o meu déficit blogueiro. Afinal, ia passar a noite num hotel da cadeia Hilton, o que era um sonho vedado, por exemplo, à própria herdeira dos accionistas que por essa altura cumpria pena numa outra cadeia, decerto bem menos pleasant, em Los Angeles.

O voo Porto-Londres foi rápido, a sandwich do catering tinha a frugalidade do costume e Heathrow assemelhava-se a um templo invadido por fariseus de todos os credos e raças. As enormes fila que se formavam para o check-out, terrorismo oblige, assemelhavam-se mais a spas de sovaqueira. Após a saída, umas duas dezenas de indivíduos de fato, gravata e cara de choffeurs anunciavam, em cartolinas coloridas com o logotipo e o nome de bancos e outras empresas, os nomes das pessoas de quem tinham ordens para recolher. Numa primeira vistoria, não dei com o meu caddie. Só na segunda vigília consegui descortinar o meu nome, bem como o apelido, por sinal ainda menos british do que já eram, decerto escritos por mão de médico e disformemente repartidos por três linhas numa folha A4. Lá seguimos para o hotel, comigo atrás do local onde deveria estar o condutor, que por aquelas bandas tem o estranho hábito de se refugiar no lugar do morto. Pelo caminho, ainda tentei testar o meu inglês para a entrevista do dia seguinte, mas logo acabei por desmoralizar quando percebi que o motorista, para além de gago, era escocês. Depois de andar uma porrada de tempo às voltas, verifiquei que as duas horas do voo do Porto seriam ultrapassadas pelo tempo gasto nos 60km desde o aeroporto de Heathrow até ao centro de Londres. O que era, em parte, consequência de ter lá aterrado no próprio dia em que era inaugurada em solo inglês mais uma edição da Volta à França em bicicleta. A outra parte, como eu já desconfiava, era porque o taxista já não ia para aqueles lados há dois anos e pico. «Goo-goo-goo-good Lord», confessaria ele na sua gaguez dos Highlands, ao ver o milésimo sinal de trânsito proibido. O único remédio seria então o de passar a confiar que o GPS do carro fosse mais íntimo da City londrina. E foi-o, porque logo de seguida chegamos ao hotel, ia já para as 21h30m. Ou seja, não havia qualquer hipótese, contrariamente às ordens que trazia de casa das minhas teen-agers, de caçar «pelo menos uma foto do Big Ben». O Ritz Hotel de Canary Wharf, que me surgiu sem estrelas, mais parecia transplantado de Bombaim. Logo à entrada, antes até de me poder abeirar da recepção, uma vaga de indianos devidamente paramentados aguardava a entrada para uma sala lateral, donde provinha um barulho ensurdecedor do que me pareceu ser house music à moda de Gujaratti. Soube depois que todas as quartas-feiras havia ali uma muito concorrida indian jam session. Todo o hotel apresentava um ar igualmente exótico, a começar pelas recepcionistas, todas africanas, indianas, ou mestiças, nenhuma que saísse à patroa Paris. No check-in, entretanto, mais uma desgraça: não havia qualquer reserva no meu nome. Não pode ser. Tornei o espaço logo mais ecuménico, acrescentando o portuguesíssimo «bora lá ver isso outra vez!» Não resultou. Estava mesmo sem reserva. Pior que isso, só havia um quarto disponível para aquela noite, pelo que logo me antevi no último do rés-do-chão, nas traseiras do hotel e com vista para os bidons do lixo a reciclar. Disseram-me que tinha de decidir de imediato, o que queria dizer ficar e pagá-lo logo, porque aquela hora a empresa-anfitriã já teria as portas fechadas. O anúncio do preço do quarto, no entanto, tornar-me-ia mais combativo. Liguei para o telemóvel da senhora que me havia marcado tudo. Que não percebia como falhara a reserva do quarto, que maçada, tinha pena, mas que estava a começar a jantar. Mal percebi a balda, servi-lhe a recepcionista como sobremesa. Depois de uma renitente troca de talheres maxilares, esta anunciou-me que o assunto seria resolvido no dia seguinte pelos seus clientes. Boa. «Have a pleasant dream, sir.» Bora lá então a arrastar a mala para o quarto das traseiras. Que era, afinal no 15º andar e tinha uma vista para a City, um paraíso para os fanáticos dos arranha-céus cobertos por muito vidro e ainda mais aço. Como estava a chover, a noite londrina parecia breu e poucas eram as janelas com luzes, não tive oportunidade de fazer um primeiro boneco aqui para o blog. Encontraria depois um no Google, que é o que encima esta posta. Quanto à culinária hoteleira, a sandwich, o leite e a maçã que havia trazido de casa revelaram-se um jantar frugal e adequado às circunstâncias, pelo que me inibirei de aduzir mais pormenores sobre a sua degustação. Depois de um duche rápido e de, como habitualmente, guardar de seguida todos os souvenirs que encontrei no quarto, fiquei na cama a acompanhar alguns dos canais locais. Dada a monotonia das notícias sobre cricket, mesmo que a cavalo, mais o facto de ter uma reunião marcada para as 9h00m do dia seguinte decidi-me por visitar logo Hipnos.

No dia seguinte, às 07h45m, já estava abancado na breakfast room do hotel, disposto a recolher todas as preciosidades culinárias que me fosse possível convocar depois para o blogue. Tarefa algo limitada pelo facto de eu há muito considerar que o tipical pequeno-almoço inglês é perfeitamente enjoativo e muito mais quando alguém se esquece de fechar as tampas dos recipientes onde eles destilam as suas salsichas, o bacon e os ovos mexidos. Nessa manhã pude verificar, mais uma vez, a falta de consenso do meu gosto, ao olhar para a bicha de ingleses, escoceses, galeses, irlandeses, chineses, indianos, quenianos e mauberes que militantemente abarrotavam os pratos daquelas gorduras. No outro lado da sala, lembro-me de ter visto levantar-se em direcção aos bacon & eggs, um indivíduo que deixou na mesa três pratos com queijo e fiambre, vários pacotes de geleia, dois croissants, uma taça cheia de salada de frutas, um copo com um sumo de laranja e outro com outro sumo qualquer e duas chávenas de café com leite, que eu desconfiei logo que só poderia ser um nosso conterrâneo. Como é sobejamente conhecido, a noção que um português tem de um pequeno-almoço num hotel é a de dever comer tudo o que estiver incluído no preço.

Como tinha reunião marcada para as nove, que na Inglaterra significa ser mesmo às nove horas e não tendo nada a ver com o nosso «em ponto», que em Portugal quer dizer «lá para as 9 e meia, dez menos um quarto» ou como o «mais ou menos às 9», que quer dizer que «tanto pode começar às 10 como às 11 mas pelo sim pelo não apareça amanhã de manhã bem cedinho», saí dali mal acabei a minha segunda meia-de-leite. À porta do hotel decidi pedir a uma waitress que me indicasse o caminho mais rápido para chegar ao meu destino. Não que eu não o soubesse, o caminho, mas porque aquela era a primeira mulher branca e loira, bonita, trully british, que eu encontrava desde que chegara a Londres. Acompanhou-me e à minha mala até ao exterior do hotel e apontou o punho aberto na direcção do edifício alto que distava uns trezentos metros de nós. Na verdade eu não estava a prestar atenção às suas indicações de trânsito para peões, mas antes a lembrar-me de um velho dito de Hitchcock, que dizia preferir para actrizes as loiras inglesas às morenas italianas porque, segundo ele, as últimas traziam «a palavra sexo escrita na cara». E para os que, como eu, não percebiam donde vinha o mal ao mundo, acrescentava que as loirinhas inglesas, com aquele seu ar de austeras professoras primárias, seriam até bem capazes de abrir a braguilha a um desconhecido que viajasse com elas num táxi. «Well, have a good luck, sir», despediu-se-me ela a meio das minhas cogitações. Pelo que lá tive de ir à minha vida. O resto do dia acabaria por não ser especialmente interessante e não apenas por terem faltado pedidos de boleia durante o percurso do taxi que me colocou directamente no aeroporto, onde cheguei mesmo a tempo de usufruir de mais um malcheiroso spa, que por aqui ainda há quem insista em chamar check-in. No final do dia, já chegado ao Porto, muito duvidei que trouxesse matéria para poder postar com alguma decência e muito menos com o nível das habituais experiências turísticas descritas pelo FVaz.

Uns dias depois, voltaram a ligar-me para questionar sobre a disponibilidade para uma nova reunião. Como vi logo ali nova oportunidade para enriquecer finalmente a minha postagem, aceitei de imediato. E lá fui eu enfiar-me na mesma viagem Porto-Londres, roer a mesma sandes do catering e encontrar os mesmos fariseus de Heathrow. O caddie, entretanto, era outro. Mesmo que insistisse em continuar a chamar nomes ao meu apelido familiar. Era cockney e tinha orgulho em ser motorista de estrelas. Não se referia a mim, claro, mas aos actores Michael Caine e Liam Neeson, pelo que, no final da viagem, passei a saber mais umas coisas sobre algumas das loucuras que as celebridades confessam nos táxis. O hotel, desta vez, era outro, o Marriott, ainda em Canary Wharf. «Sorry for all inconvenience», haviam-me dito quando se me despediram na reunião anterior. Entusiasmado ainda pelas histórias que acabara de ouvir sobre as estrelas de Hollywood, entrei confiante de que desta vez tudo seria diferente. Quem sabe se até não entraria na divisão seguinte do campeonato dos clientes de hoteis. E, para primeira impressão, não estava mal. Muito embora tivesse que agarrar bem na minha mala para evitar que o waiter que correu para mim vestido de smoking, camisola vermelha com uma risca amarela e chapéu de coco me pudesse reivindicar uma gorjeta em libras. Moeda que eu assumidamente não transportava por ter evitado pagar outra gorjeta a um chinês que mas queria vender numa exchange house no aeroporto. Mal percebeu que eu podia com dez vezes mais o peso daquela mala, indicou-me logo o caminho da recepção no cimo das escadas. Enquanto revistava o meu passaporte, um circunspecto recepcionista, indiano, pareceu animar-se com a minha nacionalidade. E decidiu apresentar-se. Que era de Goa, de uma família goesa tradicional e que por conseguinte os portugueses eram por ali muito conhecidos e falados. Confortado com as lembranças da nossa gloriosa História, perguntei-lhe se sabia falar português. Respondeu-me que não, ou melhor, que só conhecia uma palavra, que quereria dizer «love». E disse «adeus». Lá o corrigi, algo decepcionado com a súbita consciência de que as nossas falhas nos manuais escolares seriam igualmente ancestrais, impossibilitando que não se tivesse plantado, pelo menos, uma palavra da língua de Camões num desses novos mundos que descobrimos para o mundo. Depois viria a pior parte. Tinha de pagar já o quarto e esperar ser reembolsado depois pela empresa-anfitriã pois essas seriam as condições negociadas. Perante tamanha precisão, ainda por cima vinda de um ex-patrício, não tive outro remédio senão entregar-lhe o meu tímido e carente cartão de crédito, ao mesmo tempo que tentava esquecer as correspondentes duas perdas cambiais, mais as comissões e as outras despesas que o meu banco certamente não se esqueceria de cobrar. Depois desta nítida entrada no blogue errado, qual «Desprazeres do Diabo», despedi-me do jovem museu-vivo do nosso antigo império, que pareceu felicíssimo ao retribuir, na língua que antes atraiçoara, o meu «obrigado». Subi ao quarto, no 5º piso, esperançado numa noite calma.

O quarto era igual a todos os quartos dos bons hotéis: cómodo, completo e higienicamente decente. Este, com uma decoração cheia de reminiscências indianas, tinha cerca de uma dúzia de almofadas e travesseiros na cama, o que me fez pensar nos hábitos poligâmicos daquela saudável cultura. Na toilette, reparei logo nas lindas e vaporosas linhas eco de sabonetes e shampoos e numa série de óleos corporais e capilares, que forrariam muito bem a minha mala à saída. A novidade estava, entretanto, no frigo-bar. Que verifiquei encontrar-se carregado de tabletes de chocolate, biscoitos, amendoins, uma longa lista de mini bebidas, cervejas e sumos e com uma aviso que só li no final da revista. «Fica o cliente avisado que temos um sistema computarizado e que qualquer bebida em que mexa ser-lhe-á logo facturada». Por momentos fiquei preocupado que o som do fecho da geleira tivesse acordado os vizinhos. Decidi espreitar as vistas da janela. E comecei por não gostar nada de verificar que ficava a uns meros três ou quatro metros de distância, na horizontal, de uma estação suspensa do Metro. Interroguei-me como fora possível construir uma coisas daquelas ao nível de um 5º andar. Ou o contrário. Daí a pouco, com o barulho da chegada de uma composição, apercebi-me de que os vidros do hotel, tal como a caixilharia das janelas, não eram duplos. E que com o comboio a passar ali mesmo ao lado da cama onde repousava a dúzia de almofadas, haveria que temer o pior. Depois do duche, lá tornei a refastelar-me com o jantar mais uma vez cozinhado e trazido da lusa-Pátria, pois que sou dos que acham que em gourmet que não empata não se mexe. Depois de mais uma marcação cerrada pelos canais que a nossa TV Cabo não tem mas não se perde nada com isso, lembrei-me da reunião das 09h00m do dia seguinte e decidi-me a entrar nos braços da Hipnas, a inexistente mas certamente mais gostosa versão feminina do deus grego do sono.
Nessa noite, porém, bem menos que pela novidade desta nova e platónica relação que pelo barulho das chegadas e partidas dos comboios no vizinho Metro, não consegui pregar olho. Pelo que, de manhã, apenas um reforçado duche inglês me permitiria arranjar forças para descer para o pequeno-almoço. Enquanto devorava a minha salada de frutas, o pãozinho com manteiga e as duas meias-de-leite, a segunda mais meia-de-café, não pude deixar de verificar que a ONU da bicha para as tiras de porco fumado continuava forte. E de como os pequeninos asiáticos, principalmente, devoravam aquilo tudo com a sofreguidão de quem está convencido de que regressará da Europa cinco centímetro mais alto do que quando saiu de casa. Entretanto, desta vez não notei que estivesse por ali qualquer português a açambarcar o menu. Antes de abandonar o hotel, ainda na recepção, tentei ver se lá encontrava o goês da noite anterior, a quem eu fazia questão de ensinar a decorar a expressão portuguesa «falta de sono», estando igualmente decidido a soletrá-la de um modo que ele a entendesse como «shit». Como já não estava, praguejei de fininho e atirei-me à City.

Durante os intervalos das reuniões desse dia, surripiei o máximo que pude do café disponível, de modo a rechaçar as ondas de sono e os ruídos dos combóios que insistiam em me atacar em pleno dia. No regresso a casa, já no avião, vários pensamentos se me entrecruzaram. Dentre eles, a sensação de que o que trouxera de Londres era afinal matéria sofrível quando comparada com a solidez das mafarricas postas que o FVaz vem registando. Mas depois, pensando melhor, concluí que aprendera afinal duas coisas. Primeiro, que os cinco minutos que medeiam entre cada viagem dos combóios do Metro de Londres mostram que os seus habitantes estarão bem servidos. Segundo, que os conquistadores portugueses de antanho deverão ter feito muitas patifarias lá pelos lados de Goa.

Wednesday, June 06, 2007

Cenas em Cancun

Antes de viajar até Cancun contactei alguns amigos que por lá tinham passado. Onde jantaram, foi a pergunta. Uns, viajando com crianças, optaram pelo all-inclusive. Escolha sensata, mas redutora. Outros foram até lá ainda muito jovens, ou até em lua de mel. Só se lembram de jantares muito animados, muitamúsica, muito alcool, empregados e clientes aos saltos.

Também quis conhecer esses espaços animados. Concluí que estou velho. Pois não me animou nada ter de subir às cadeiras sob ameaça de ser molhado, nem me senti tentado pelos shots ou gelatinas de vodka que me eram oferecidos enquanto "jantava". Umas ribs sofríveis e uns camarões lastimáveis. Valeram as Margheritas, excelentes, numa visita de interesse antropológico, para estudar as hordas de jovens liceais americanos, que em viagem de finalistas, alegremente se alcoolizavam no Señor Frog's.

Mas fomos em busca dos bons restaurantes de Cancun. Começamos pelo Blue Bayou, onde após uma prova de agradáveis vinhos argentinos monovarietais La Terraza, se seguiu um agradável jantar. Que começou com um aspecto comem a todos os restaurantes visitados. Pão excelente, de fabrico próprio, com diferentes aromas e texturas, e sempre quente. Um Lindemans Cawarra Semillon Chardonay foi o complemento ideal para uma suculenta Lagosta Thermidor e uns Fettucini alla Spinaca com Vieiras e Camarão. A sobremesa, apesar da companhia de uma banda que tocava jazz standards, foi uma desilusão.

No dia seguinte atacamos o Lorenzilllo, restaurante de mariscos que na sua decoração me fez lembrar os bons restaurantes de peixe de Seattle. Grandes decks de madeira, sobre a laguna e o pôr do sol. Provaram-se umas Almejas ao natural, mesmo natural, ou seja cruas. Com lima e um molho vinagrete, revelaram-se uma experiência interessante. Já a Sopa de Mariscos, apesar da quantidade dos ditos, foi mediana. Quem optou pelo Fettucine Marinara ficou claramente a perder para a Lagosta a la Diabla, fresquíssima, e com um molho spicy que muito beneficiou da água Voss e do Viognier Santa Julia. Finalizou-se em grande com um Volcan de Chocolate, sublime.

Ao terceiro dia, fomos ao Dolce Vita que passa por ser o melhor restaurante italiano de Cancun. Sobre a laguna, e com a água iluminada atraindo os peixinhos. Depois de umas Berenjenas Gratinadas, que ficam a milhas das da Crstina Cecchini, provou-se a especialidade da casa.

O Boquinete Dolce Vita, um filete de mero com cogumelos e camarão envolto em massa folhada. Bonito no aspecto, razoável na boca. O melhor do jantar acabou por ser o Cabernet Sauvignon Malbec Domainne Baron Rotschild Catena. No Dolce Vita jantamos bem, mas esperava-se mais.

Seguiu-se um clássico, o Habichuela, com 30 anos é um dos restaurantes mais antigos de Cancun. Num pátio com decoração Maya e árvores que nos envolvem, o ambiente é acolhedor. Escolheu-se um clássico, o Crema Habichuela, uma agradável creme de feijão verde e alho francês e uma Sopa de Mariscos, que mais uma vez desiludiu.





Seguiu-se a Cocobichuela, um caril de camarão e lagosta servido dentro de um coco, que estava óptimo. A lembrar um caril em casca de ananás comido em Krabi, embora este estivesse bem mais potente.

A senhora foi num Corazon de Filet, de carne tenríssima e muita bem temperada. O vinho provado foi um Catena Malbec 2004. A sobremesa foi uma flamejante Crepa Suchard,preparada junto à mesa, sendo maior o espectáculo que o proveito. Por falar em espectáculo vimos passar uma espetada de lombo em chamas e a Caesar Salad é preparada igualmente na mesa. Apesar de não deslumbrar, este Habichuela proporcionou o melhor jantar até então.

Para o último dia guardou-se o Club Grill, restaurante do Hotel Ritz Carlton, para muitos o melhor de Cancun. Uma sala perfeita para um jantar romântico, com uma melódica voz que ao longe cantava êxitos de velhos crooners. No vinho, apesar da tentação do famoso Opus One continuamos pela Argentina, desta vez com um Catena Cabernet Sauvignon 2004, excelente e em crescendo ao longo do jantar. A água era Fiji. Nas entradas provaram-se o Canelonni crocante de escargots e confit de pato em redução de vinho tinto. Uma perfeita ligação de paladares e texturas, que tão bem casou com o Cabernet e só por si valia a refeição. A Cristina, por insistência do maître, pediu o Creme de Lagosta com tempura de Lagosta e Puré de Abacate. Dizia ela que já tinha tentado várias sopas de marisco em cancun e todas desiludiram. Ele respondeu que seria porque "ainda não provou a nossa". E tinha razão, já que este creme mereceu os mais rasgados elogios, por entre as interjeições que foram acompanhando a sua degustação. Continuou-se com Bochecha de Vitela Estufada e Petit Filet Mignon em molho de Blue Cheese e redução de Porto. Sou suspeito, porque sou um incondional das bochechas da vitela desde que com elas travei conhecimento em Ibiza. Mas estas estavam de morrer, e só é pena que fossem partilhadas com um Filet que estava fantástica, mas por melhor que seja nunca terá a intensidade da bochecha. Um portento, pois. A madame optou pelo Pato Assado, duas peças, peito e perna, com um molho de tequila e mel, que exaltou as virtudes do marreco. À sobremesa, préviamente encomendada, atacaram-se um fondant de chocolate com centro de pistachio e um Soufflé de Chocolate. Foi o final perfeito para um jantar de sonho. E com um serviço fabuloso. Já estive em alguns dos melhores restaurantes da Europa e EUA. Mas muito poucas vezes tive um serviço deste nível.

Este Club Grill salvou a honra gastronómica de Cancun. Os outros restaurantes citados proporcionaram jantares agradáveis. O do Club Grill foi inesquecível.

Sunday, May 27, 2007

Só eu sei porque não fico em casa

Sunday, May 13, 2007

Duas Exposições

Aproveitando uma deslocação a Lisboa que foi pretexto para a primeira grande viagem das minhas filhas a bordo de um comboio pendular ( que se andasse sempre à velocidade de ponta faria a ligação Porto Lisboa em 1h30m, tornando desnecessária a ligação por TGV, mas isso são outras andanças), dei um salto ao Museu de História Natural, para ver a exposição da Sara Maia.






Excelente, embora perdida nos confins da Mineralogia.


Mesmo ao lado, no Palácio dos Condes do Restelo estava a badalada exposição "O Corpo Humano como nunca o viu". Que é quase um franchising, já que se encontra em exibição em quatro pontos dos USA , e em Praga. A exposição será certamente uma revelação para quem nunca frequentou, como eu, os teatros anatómicos. A mim trouxe-me recordações dos meus verdes anos.
De qualquer forma ver um crânio com todos os ramos do nervo facial, um braço só com o plexo arterial ou os pulmões só com a árvore brônquica, foram novidades que me encantaram. Recomendo a visita, embora a exposição seja cara (€21.50 por adulto, € 15.00 por criança). Para quem preferir uma visita virtual pode espreitar as fotos de Osvaldo Grimaldi.

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Wednesday, May 09, 2007

Sara Maia



O galerista tecia rasgados elogios à artista. “Esta menina vai longe”, dizia ele, embora receasse pela fragilidade e a saúde da Sara. Ainda namorei dois dos seus quadros. Mas pela sua dimensão, não os podia albergar na minha casa de então. Acabarem em casa de dois amigos meus.

Pois a Sara inaugurou ontem uma nova exposição na Sala do Veado do Museu Nacional de História Natural. Chama-se “Dog’s Sleep”. «A expressão idiomática inglesa refere-se a um certo fingimento, uma certa encenação; ao mesmo tempo, o cão é um animal doméstico, dependente, carente, mas dorme alerta, está sempre pronto para saltar, tem sentimentos muito próximos do ser humano.» dise a Sara ao Expresso, na Actual da sábado passado. Que me permitiu conhecer melhor o trajecto da Sara. Foi a doença que a obrigava a ficar em casa na infância que lhe trouxe o gosto pela pintura.E o padrasto que lhe deu a conhecer Buñuel ainda menina.

A exposição é composta por oito pinturas de grandes dimensões e vários desenhos. A Santa das Garrafinhas, A Ceia, Fingida, são algumas das composições. Diz ela ao Expresso «Não sei explicar, nasceu comigo, essa relação com a perversão não é deliberada, é uma questão complexa. As relações são complexas, e isso é fascinante. Gosto de jogar com o lado dúbio das coisas, até para não haver uma forma única de ver, para cada um poder descobrir uma história diferente.»

Agora a Sara já não é representada pela Mário Sequeira.. Tem um galerista francês, a Galerie Patrice Trigano (de Paris). Que tem na sua colecção gente como Matisse, Magritte, Tanguy, Vieira da Silva, Braque, Chagall ou Picasso. Está em boa companhia a Sara.

SARA MAIA: Dog Sleep Museu de História Natural - Sala do Veado, Lisboa 08 MAI- 30 JUN 2007. 747.3 INAUGURAÇÃO: 10 MAIO, 22h

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